"Não importa o que eu faço ou o que eu sei, mas sim quem eu sou." Rudolf Steiner

segunda-feira, 28 de maio de 2012

O Ser Humano se cria entre Paradoxos


“Só existe um templo no mundo, é o corpo  humano. Nada é mais sagrado que esta sublime forma. Inclinar-se perante um homem é prestar homenagem a esta revelação na carne. Tocamos o céu  ao apalpar um corpo humano.” Novalis
Este ditado de Novalis parece ser muito paradoxal. Como o corpo humano pode ser o único templo que existe no mundo? Não existem muitos templos, templos construídos pelo ser humano, onde podemos rezar e admirar a divindade? Porque não existe nada mais sagrado? O animal também tem um corpo. O que distingue o corpo animal do corpo humano? Porque o corpo é o mais sagrado? Como pode tocar o céu ao apalpar um corpo humano? Aparentemente os dois não têm nada em comum!
Se adotarmos o pensamento de Goethe , que o mundo físico manifesto é uma expressão do espírito, e que tudo que existe foi criado por seres espirituais, podemos dizer que o corpo humano também é uma expressão do espírito.
Se observarmos bem o corpo humano podemos ver que tudo que existe no mundo também existe no corpo humano. O ser humano é um microcosmo, igual ao macrocosmo, cada um representa uma totalidade. Podemos olhar o ser humano como uma imagem da trindade santa, constituído pelo corpo, alma e espírito, com o Eu no seu centro, a centelha divina que cria a integridade deste ser.
O ser humano como todo é um ser trimembrado. Esta trimembração pode-se observar em todas as partes. No corpo manifesto, na alma e no corpo espiritual. A corporalidade é penetrada pela alma, que tem o Eu como cerne, qual se compenetra com o espírito: com o Bem, o Belo e o Verdadeiro.
A corporalidade em si,destingue-se em corpo físico, corpo etérico e corpo astral . O corpo físico é o mais antigo e o mais aprimorado, ele corresponde ao reino mineral, onde rege o princípio da forma. Esse reino, que é o mais físico, o mais material, o mais morto, está ligado a mais elevada hierarquia, à hierarquia de Deus Pai, a primeira hierarquia, a vontade cósmica. O corpo etérico foi criado depois. Ele é menos aprimorado do que o corpo físico e corresponde ao reino vegetal, onde rege o princípio da vida, do fluxo, do ritmo, do funcionamento, do crescimento e da reprodução. Este reino está ligado à segunda hierarquia, a hierarquia de Deus filho, a sabedoria cósmica. O corpo astral é o menos aprimorado, o mais novo dos três. Ele corresponde ao reino animal, onde rege como princípio o movimento e a criação de um espaço interno. O reino animal está ligado à terceira hierarquia, a hierarquia do Espírito Santo, a harmonia cósmica, a hierarquia menos elevada das três.
A maior novidade foi introduzida na Terra: o mais recente, o menos aprimorado, o Eu. Este Eu não se encontra em nenhum reino, apenas no ser humano e no mundo espiritual. É ligado ao ser supremo da segunda hierarquia, ao Eu cósmico, o Cristo. É a nossa parte mais espiritual, a centelha divina. Para poder se tornar um ser consciente é necessário estar encarnado no mundo manifesto, na matéria, é necessária uma corporalidade física. Através da atividade do Eu consciente o ser humano pode transformar seu corpo material em uma corporalidade espiritual e pode também transformar o mundo manifesto. Nesta atividade a individualidade se cria, se torna cocriadora.
Se acompanharmos bem o que foi dito até agora podemos observar vários contradições. O Eu, cuja origem é espiritual necessita de uma corporalidade material para poder se desenvolver e tornar-se novamente um ser espiritual consciente. O corpo físico, o mais material, porém o mais aprimorado, ligado à hierarquia mais espiritual. O corpo astral, o menos aprimorado dos três, ligado ao reino animal, é o mais perto do reino humano e muito mais complexo e diferenciado do que os outros dois. Lidamos o tempo todo com opostos. Podemos observar que o Eu se cria dentro de paradoxos. Achamos estes aspectos paradoxais em todos os níveis. Mas hoje gostaria me restringir em três aspectos:
- A estrutura do corpo (forma)
- O funcionamento (sistema neurológico)
- Capacidades Anímicas (pensar, sentir, querer)

A estrutura do corpo
Olhando para a forma, o esqueleto, mostra-se que é feito de retas e curvas. A cabeça é principalmente redonda, esférica, convexa. Os membros são principalmente retos e o tronco une os dois princípios, criando algo novo.
A cabeça é formada pelo crânio, estrutura óssea, a mais dura que temos, protegendo e limitando tudo que tem dentro dele. Existem várias aberturas por onde os estímulos sensoriais podem entrar. Existe um movimento de fora para dentro. O centro da cabeça é o cérebro, que também é o centro do sistema neurosensorial. É muito compacto, muito material, é, juntamente aos ossos, o mais morto e o mais frio que o ser humano tem. Nesta região encontram se as articulações fixas, tudo é muito parado, muito devagar. Mas é justamente o instrumento principal do pensar, onde lidamos com o imponderável, com o imaterial, com as idéias. O pensamento tem a qualidade do raio, da luz, se move reto, se expande, é rápido e o espaço e tempo perdem a sua importância.
Os membros inferiores e a região do abdômen, que carregam o sistema metabólico-motor, tem como princípio a reta e o espaço aberto em forma de côncavo. O osso principal do abdômen, a bacia, é um grande côncavo aberto, espelhando a cabeça. Ele recebe e sustenta os órgãos vitais e reprodutivos. Nos membros inferiores os ossos são retos e internos, envolvidos pelos músculos. Eles sustentam o corpo, mas com suas articulações possibilitam o movimento. Este movimento gera calor, o calor irradia, pulsa e se expande de forma circular. Os membros e o abdômen são as partes mais moles e mais quentes do corpo. No abdômen acontecem os processos vitais, aqui rege a vida, porém, é justamente onde a matéria morre. Ela é destruída e transformada em energia. Nesta região o mais vivo lida com as forças da morte, que espiritualizam a matéria e o mais morto gera a vida, como mostra o fato do sangue ser produzido justamente nos ossos dos membros.
O tórax e os membros superiores unem, como parte do meio, a reta e a curva em si. A curva encontramos na caixa torácica, formada pelas costelas e escápulas, mais fechado na parte superior e abrindo cada vez mais para baixo. A reta encontramos nos membros superiores e na coluna vista de frente. Olhando o perfil, a coluna é curvada, forma um S comprido, quase a metade de uma leminiscata. A mesma forma achamos na clavícula. A caixa torácica protege o que tem dentro, mas também possibilita o movimento de expansão e contração. Os membros superiores possibilitam a troca com o mundo, eles podem tanto dar, quanto receber. Nesta região encontra-se o sistema rítmico, formado pela respiração e circulação, que aquecem e alimentam toda corporalidade. O seu centro é o coração onde acontece a morte e a vida na sístole e diástole, movimentos de concentração e expansão máxima. Existe também um momento de repouso total entre cada movimento, tanto no coração quanto na respiração. A respiração possibilita a troca entre o mundo externo e interno. Também é um movimento de expansão e concentração. Quando o ar se concentra no pulmão, a caixa torácica se expande ao máximo. Quando a caixa torácica se contrai, o ar se expande no mundo. Este mesmo movimento acontece no nível do sentimento. A parte mais sutil se concentra quando a parte mais material se expande e vice versa.  Este movimento inclui a troca social na esfera horizontal e a troca com o divino na esfera vertical.


O funcionamento

Observando os três sistemas principais, podemos notar que o sistema neurosensorial encontra-se principalmente na periferia do corpo, o sistema metabólico-motor se encontra principalmente no centro da corporalidade e o sistema rítmico com seu centro no tórax pulsa pelo corpo inteiro, unindo e intermediando entre os outros dois. O órgão principal do sistema neurosensorial são os nervos que se espalham em toda a superfície, na endoderme e ectoderma de todas as partes do corpo físico. O cérebro representa o centro deste sistema. O movimento é de fora para dentro, o princípio é de síntese, de concentração. O sistema neurosensorial é a base física para os sentidos e para o pensar. Por ser um espaço com ausência de vida, cria-se a possibilidade do mundo penetrar na nossa corporalidade, ou para ser mais exata, a parte anímico-espiritual do mundo penetra através dos sentidos e é conduzido pelos nervos. Os nervos são transparentes para o anímico-espiritual, como o vidro é transparente para a luz. Temos percepções do mundo e da nossa própria corporalidade, que faz parte do mundo externo. Assim o ser humano alcança consciência do mundo e de si mesmo.
O sistema metabólico-motor encontra-se principalmente no interior do corpo. São os órgãos vitais, os músculos, o sangue. É um espaço preenchido de vida, onde o anímico espiritual é absorvido, como a cor preto absorve a luz. O princípio é de análise, o movimento de dentro para fora. Os membros se dirigem para fora, se dirigem ao mundo. A parte mais viva leva o mundo à morte e transforma-o em energia, que agora se direciona para o mundo em forma de calor, de vontade. É um movimento de expansão e de espiritualização, o espírito que estava preso na matéria é liberado.
O sistema rítmico faz tanto o movimento de concentração, quanto o movimento de expansão. Ele recebe o mundo de fora, transforma-o em mundo próprio e devolve-o para o mundo externo. Isto acontece em todos os níveis. Ele faz a vontade e as idéias se encontrarem, une-as para que se tornem ações e realizações no mundo.

Capacidades Anímicas
Pensar, sentir e querer são as capacidades anímicas do ser humano. Pelo pensar ele adquire consciência. Ele sabe que é, mas ele não é! O pensar vem do passado, só conseguimos pensar que já existe, que já se concretizou. No pensamento espelha-se tudo que o ser humano conseguiu trazer a consciência pela concentração do ser, mas são imagens de coisas reais que já passaram, é como olhar a imagem de um espelho. O ser humano se afasta do mundo real e se concentra em si mesmo. É um movimento de antipatia. Eu me encontro no meu centro, olhando a partir de um único ponto de vista.
Pela vontade, pelo querer o ser humano se une ao mundo. É um movimento de simpatia. Ele se expande, se torna o próprio mundo, o qual está vindo do futuro ao seu encontro em forma de intuições. Infelizmente se perde nisso. Ele é, mas não tem consciência disso! Fica tão expandido, que vive muitos pontos de vista.
No sentir o ser humano é movido pelo o que lhe atrai e o que lhe afasta. É um movimento de simpatia e antipatia. Ele sente, ele sonha que é! O sentimento é um pensamento ainda não esclarecido e/ou uma vontade ainda não realizada. É semi-consciente. No momento em que o ser humano consegue ligar o passado e o futuro, ele conquista o presente. Ele adquira a possibilidade de se realizar, superando simpatia e antipatia, e usando os sentimentos como um órgão de percepção. É a real possibilidade de pegar a sua vida nas próprias mãos.

Considerações Finais
O paradoxo somente existe quando restringimos o nosso pensar ao mundo físico. Ampliando o pensamento, incluindo o mundo anímico-espiritual, as contradições se dissolvem. Descobrimos que na verdade todos os opostos têm a mesma origem, apenas se manifestam de modo oposto no mundo físico, sofrem uma separação, uma concentração para poder se materializar. Por ter a origem em comum um oposto sempre depende do outro, um não pode existir sem o outro e um belo dia novamente irão se unir. São os dois lados da mesma moeda. Como o ser humano é uma manifestação da totalidade, ele une todos os opostos em si. O ser humano é o mais complexo e o mais sagrado no mundo. É o maior paradoxo! Se compreendermos o ser humano, compreenderemos o cosmos e vice versa.
Voltando agora para as questões do começo, podemos dizer que:
Sim, o corpo humano é o único verdadeiro templo no mundo, é o mais sagrado. Nele se manifesta o espírito, é a casa sagrada do espírito, tudo se une nele. Quem se inclina diante do Homem e serve a ele, se inclina e serve a Divindade. E quem apalpa um corpo realmente toca o céu, pois o céu se manifesta nele.