Workshop dado por mim no VII Congresso Iberoamericano de Pedagogia Curativa e Terapia Social em Equador, 2012
A questão em qualquer conteúdo que eu quero passar, na
verdade é:
Como eu posso alcançar, tocar os meus alunos?
Como posso despertar o interesse deles realmente?
Como a aula, a época pode se tornar algo que alimenta
corpo, alma e espírito dos meus alunos?
Para isto não existem receitas, nem manuais. Se eu
quero uma receita que me diz exatamente o que deve ser trabalhado e de que
forma, a aula fica teórica e morta. Para manter o conteúdo vivo, preciso criar
um espaço para vivências, experiências e perguntas. Preciso criar a partir de
mim, das minhas experiências, e a partir das necessidades que o grupo
apresenta.
Portanto para preparar uma época, uma aula, uma
palestra, preciso fazer a mim mesmo quatro perguntas:
1)
Qual é a essência, a idéia, o princípio
maior deste conteúdo?
2) Onde
e em que formas este princípio se manifesta no mundo? Onde posso reconhecê-lo?
3) De
tudo isto que consigo encontrar, o que é que tem a ver comigo? O que me toca?
4) A
quem se dirige o conteúdo e quais necessidades apresenta este grupo?
A primeira coisa que preciso compreender é: qual é a
essência do conteúdo, qual é o princípio que se manifesta através dele.
Inicia-se então, um trabalho de estudo, reflexão e
meditação. O que eu sei sobre o assunto, o que a literatura aborda e o que
consigo entender a partir disso? Através deste trabalho eu posso chegar em uma
compreensão maior, reconhecer o princípio e encontrá-lo em suas inúmeras
expressões. Não preciso mais me restringir aos símbolos antigos, já existentes,
posso encontrar novos símbolos, novas imagens, novos gestos, novos jeitos, até
posso inventar novas formas. Também não preciso me restringir a alguma
filosofia ou ideologia, pois a essência dos conteúdos é maior do que um mero
ponto de vista, ela é de natureza espiritual. No momento em que capto a
essência, o princípio, eu posso começar criar e ousar.
Para a estruturação da aula eu uso algo que ressoa em
mim, que já vive em mim, que me toca, que me entusiasma, algo que tem a ver
comigo, pois só posso dar aos outros o que eu já tenho. Mas eu vejo também o
que de tudo isso tem a ver com o grupo, o que se apresenta como necessidade,
como pergunta do grupo. E dependendo das necessidades do grupo não muda apenas
o tema, o conteúdo, mas também a maneira de abordagem; não só o O QUE, mas também o COMO. Normalmente tenho uma convivência
com os meus alunos e por isso tenho uma noção do que eles precisam, quais são
as questões, qual é o momento deles. Se eu tiver que dar aula para um grupo de
desconhecidos, me oriento pelo próprio tema e procuro estar aberto ao que vem
ao meu encontro durante a aula, a palestra, o curso. Se for necessário mudo o
rumo no mesmo instante.
Eu procuro trazer algo que possa criar uma base para
que os alunos encontrem respostas a partir de si. Imagens, que alimentam e
enriquecem a alma, que promovem o desenvolvimento, sem querer estreitar ou
doutrinar o seu pensar. A aula é boa, quando o aluno sai dela e se sente tocado
de alguma forma.
Dizemos então que não existe receita, nem manual, mas
podemos chegar numa metodologia a partir da compreensão do funcionamento do ser
humano. Para poder alcançar, tocar o outro preciso saber como é que ele
assimila, como é que se dá o processo da aprendizagem. Podemos estudar isto no
livro “Arte da Educação I” (Allgemeine Menschenkunde, GA 293) de Rudolf Steiner.
Compreendemos que existem 3 pontos básicos, que são importantes para uma boa
aula:
1) O Encontro humano
2) O Movimento
3) O Ritmo
1) O Encontro humano
Precisamos nos perguntar, o que é que acontece quando
duas pessoas se encontram?A resposta é, que uma atua sobre a outra, não
teoricamente ou intelectualmente, mas sim de forma imediata com todo o seu ser.
Atua com aquilo que é e não com aquilo que
sabe!
Rudolf Steiner chamou isto de lei pedagógica:
“O
membro superior do professor atua sobre o membro inferior mais próximo do
aluno”
Para quem ainda não conhece o conceito sobre os
membros ou corpos da entidade humana a partir do ponto de vista da Antroposofia,
pode estudar sobre isto no livro Teosofia (GA 9) de Rudolf Steiner. Para nos
basta saber neste momento, que a entidade humana tem 3 corpos que pertencem ao
mundo sensorial: Corpo físico, corpo etérico e corpo astral; 3 almas com o Eu
no seu centro e 3 corpos que pertencem ao mundo espiritual: Homem espírito,
espírito vital e personalidade espiritual. O Homem Espírito, o Espírito Vital e
a Personalidade Espiritual são membros que existem apenas em potencial, quais
iremos elaborar e construir conscientemente. A Personalidade Espiritual já
começamos a elaborar, mas ainda está muito no começo. Aos poucos podemos
construir e acrescentar pequenos tijolinhos. Por isso vamos olhar a lei
pedagógica a partir deste primeiro membro espiritual:
Da mesma forma como um atua sobre o outro, atua a personalidade
espiritual sobre o nosso próprio Eu, o nosso Eu sobre o nosso próprio corpo astral,
o nosso corpo astral sobre nosso próprio corpo etérico, o nosso corpo etérico
sobre o nosso próprio corpo físico e conforme as afinidades do nosso corpo
físico atraímos o nosso destino.
Portanto a palavra chave é Auto-educação!
Como podemos ver este primeiro ponto da metodologia
não se restringe a aula ou a profissão, ele diz a respeito do próprio professor
ou terapeuta como pessoa, como instrumento para o desenvolvimento, como um ser
a serviço de algo maior do que ele mesmo.
A questão agora é:
Como podemos trabalhar os nossos membros para nos
tornar um bom instrumento?
Como aplicamos
isto na aula e na preparação da aula?
Personalidade Espiritual:
Este membro o ser humano ainda não assimilou, mas
podemos ter impulsos através da fala, ligando-nos ao gênio da língua.
Precisamos buscar uma fala gramaticamente correta, estruturada e clara, mas
principalmente bonita, refinada e palavras bem pronunciadas. Precisamos criar
consciência da importância da fala.
“Palavras
modificam o mundo!”
Outra coisa que nos liga aos impulsos da personalidade
espiritual é o desejo de fazer melhor. O exercício prático para isto é a
retrospectiva à noite.
Eu:
O Eu atua quando agimos com consciência, de forma
presente, sabendo dos verdadeiros motivos, desenvolvendo discernimento. Viver
no aqui e agora. Buscamos desenvolver interesse para os outros e o mundo e
entusiasmo para o conteúdo e a verdade. Precisamos amar os conteúdos, amar a
verdade! Isto alcançamos através do estudo e da meditação, criando imagens e
vivendo nelas.
“O
meu entusiasmo emociona os alunos.”
Corpo Astral:
Neste membro preciso desenvolver flexibilidade em
todos os âmbitos, positividade e equanimidade. Equanimidade através da controle
dos pensamentos, sentimentos e atos. Positividade diante de solicitações
anímicas. Flexibilidade na lida com situações ambíguas, na riqueza de gestos e
mímicas e na capacidade motora e coordenação dos movimentos. Isto consigo
através dos exercícios complementares, dados por Rudolf Steiner, outras
práticas meditativas, exercícios físicos e artísticos. Além disso preciso
buscar tudo que enriquece e alimenta a minha alma: conteúdos, histórias,
imagens, músicas, pensamentos, trabalhos manuais...
Na aula não posso ser parcial com algum assunto, não
posso querer doutrinar nem me fechar para alguma coisa. Preciso estar aberto
para tudo o que se apresenta, deixar o conteúdo e as imagens atuarem. Preciso
saber me isentar com a minha opinião particular e estar a serviço.
“Não
importa que eu tenha uma opinião diferente da do outro, e sim que o outro venha
a encontrar o certo a partir de si próprio, se eu contribuir um pouco para
tal.”
Preciso ter abertura para não querer dar a aula
exatamente assim como foi planejada, saber que posso mudar espontaneamente ou
incluir algo se for necessário e construtivo. Ter a liberdade de não deixar
tomar conta o que for destrutivo, dar limites. Buscar também as expressões
adequadas através da mímica, de gestos e vivências.
Desta forma a aula será preenchida de sentido, de
sentir (não sentimentalismo), de alma, podendo assim se tornar um alimento que
vitaliza e vivifica os nossos alunos.
Corpo Etérico:
Precisamos buscar uma boa saúde através de bons
hábitos, hábitos saudáveis e construtivos. Além disso, sempre promover o nosso
humor, pois o humor está capaz de dissolver qualquer obstáculo.Buscar fluidez
no pensar e no atuar, ter prontidão para conseguir lidar com situações
inesperadas.
Para preparação da aula precisamos levar o conteúdo
pra vida prática, torná-lo um hábito. Para a execução da aula precisamos buscar
elementos que se repetem, ritmizar o conteúdo, transformar os elementos, buscar
expressões diferentes do mesmo princípio, vivificar as imagens, fazer
exercícios e dar tarefas. Também vou prestar muita atenção a beleza , harmonia
e ordem do ambiente e dos materiais usados.
Desta forma a aula se tornará bem viva e nossos alunos
terão a possibilidade de se apropriar do conteúdo, de interiorizá-lo. O
conteúdo poderá se tornar parte da pessoa, atuar na vitalidade e assim criar,
transFormar o corpo. O que vive na
nossa vitalidade, no nosso dia a dia, transforma aos poucos o nosso corpo
físico e nosso corpo físico se tornará o nosso destino.
“Ritmo
cria corpo!”
“Perseverança
é aprender,
aprender
é praticar,
praticar
é repetir,
repetir
é ganhar experiência,
experiência
é crise,
crise
é prova,
prova
é fortalecimento,
fortalecimento
é liberdade,
liberdade
é criar do nada,
criar
do nada é transformar,
transformar
é caminho e fim ao mesmo tempo.”
Corpo Físico
Para educar este membro preciso evitar ao máximo todo
tipo de vício.
Em relação ao meu papel como professor ou terapeuta
preciso desenvolver a devoção ao pequeno, buscar uma postura de observação
segundo a fenomenologia goetheanística. Para quem gostaria de saber mais sobre
esta fenomenologia sugiro o livro “Métodos científicos de Goethe” ( GA 2) de
Rudolf Steiner
Destino
A aceitação consciente do próprio destino e o ato de
carregá-lo amorosamente, se torna uma fonte curativa na nossa própria vida e na
vida dos nossos alunos.
Para completar os pontos da metodologia falta falar
sobre o movimento e o ritmo.
Em relação ao movimento precisamos tratar o caminho do
amadurecimento do SNS e os sentidos. Os sentidos não vamos abordar aqui, pois
são um capítulo por si só. (Veja GA 293
Allgemeine Menschenkunde)
Como se dá, de forma regular, o amadurecimento do SNS
na criança?
Observando o desenvolvimento do Bebê podemos notar que
o caminho se dá de cima para baixo: olhar, segurar a cabeça, pegar, virar,
sentar engatinhar, até que finalmente a criança se coloca em pé. Ela superou a
gravidade e alcança com isto a primeira liberdade humana: ANDAR. A partir daí o
caminho se dá de baixo para cima e passa por mais três barreiras. A primeira é
a diafragma, onde todo movimento é ritmizada. Neste âmbito o ser humano alcança
a liberdade de trabalhar, que é uma capacidade especificamente humana. A
segunda barreira é a laringe, que estrutura os movimentos e nos possibilita a
falar. A última barreira é o cérebro que reprime todo o movimento de um jeito
que ele possa passar o limiar para o âmbito espiritual. O movimento se
interioriza, é “virado de avesso” para assim dizer e se torna pensamento.
Portanto podemos dizer que o movimento passa de âmbito pra âmbito, se
transformando e finalmente acorda o pensamento, se transforma na capacidade de
pensar.
A metodologia que resulta desta compreensão segue o
mesmo princípio:
OBSERVAR > IMITAR/ FAZER > INTERIORIZAR/CONSCIENTIZAR
IMPULSIONAR (motricidade global): trabalhar a partir
da imitação a postura e movimentos com os membros inferiores como andar, bater
o pé, escrever com pé, pular, “falar” com os pés, dançar, trabalhar o sentido
do movimento, do equilíbrio, térmico...
RITMIZAR (motricidade fina): trabalhar a partir da
imitação movimentos com os membros superiores como todos os trabalhos manuais,
bater palma, fazer gestos, trabalhar o sentido do tato ( por exemplo escrever
as letras com o dedo nas costas do aluno, na sola dos pés, na palma das
mãos...), térmico, do movimento...
ESTRUTURAR (motricidade refinada): desenvolver uma
mímica rica, repetir, falar, cantar, observar imagens/objetos, ouvir, trabalhar
o sentido do paladar, olfato, audição, visão, térmico, da palavra, do
pensamento...
INTERIORIZAR (motricidade elevada): lembrar, formular
perguntas, refletir, concluir, se posicionar, trabalhar os sentidos
superiores...
Quando falamos de RITMO, falamos de processos no
tempo!
Observando o mundo e o ser humano podemos encontrar os
ritmos de dia e noite, das estações, dos marés, da semana,do mês, do ano, do
acordar e dormir, da respiração, da digestão... Em todos estes ritmos podemos
observar uma grande respiração, uma pulsação entre expansão e contração. O mais
nítido são os ritmos de acordar e dormir, de inspirar e expirar. Podemos
perceber uma diferenciação de consciência. Quando estamos acordados, estamos
totalmente conscientes e quando dormimos estamos totalmente inconscientes.
Entre estes dois estados existe uma passagem semiconsciente, que são os sonhos.
O nosso espírito e nossa alma saem do corpo ao adormecer, se expandem. Nosso Eu
ainda não tem força suficiente de acompanhar esta expansão de forma consciente
e perdemos, portanto a consciência. Para estar consciente precisamos do nosso
corpo, que nos ajuda a nos concentrar, acordamos. Acontece uma troca entre o
mundo da noite, o mundo espiritual e o mundo do dia, o mundo sensorial. Na respiração acontece algo
semelhante, hora estamos mais concentrados dentro do nosso corpo, hora mais
expandidos no mundo em volta. Temos aqui a troca com o social.
Temos então estados de:
Consciência - Semiconsciência - Inconsciência
Vigília/concentração
- Sonho/passagem – Sono/expansão
E, mesmo no homem acordado, podemos observar estes
três estados de consciência. Encontram-se presentes ao mesmo tempo no próprio
corpo:
·
Na cabeça, onde se encontra o centro do Sistema
Neuro Sensorial, estamos acordados, pensamos e observamos. É o sistema que carrega
os sentidos, é a porta de entrada. Todos os conteúdos, ensinamentos e
acontecimentos do mundo exterior entram por esta via.
·
Na região do tórax, onde se localiza a
principal parte do nosso Sistema Rítmico, estamos semiconscientes. As nossas
emoções o nosso sentir não está muito claro para nos, é como se estivéssemos
sonhando. Precisamos preencher os conteúdos de emoção, de sentimento.
Precisamos sentir o que foi captado via sistema nervoso. Precisamos emocionar,
entusiasmar os nossos alunos, impregnar a respiração, tocar o coração. E desta
forma os conteúdos podem ser levados para todo o corpo através da circulação,
podem ser impressos no sistema metabólico motor.
·
Em nossos membros e na região do ventre,
que carregam o nosso Sistema Metabólico Motor, estamos inconscientes,
adormecidos. Nesta região esquecemos todos os conteúdos, aqui eles são
digeridos, destruídos, desconstruídos para poderem ser incorporados. Se tornam
parte de nos e retornam como capacidades práticas e sabedoria.
Em que resulta esta compreensão para nossa
metodologia?
> A aula sempre precisa ter começo, meio e fim para
garantir a continuidade:
Lembrar ou introduzir um assunto, acrescentar
novidades e/ou praticar, conscientizar o que foi feito: retrospectiva e deixar
adormecer, esquecer.
> Sempre precisa ter uma respiração, uma pulsação,
precisamos trabalhar dinamicamente para poder atingir o sistema rítmico:
Fazer-observar, concentrar-expandir, atividade-pausa,
silêncio-conversa, falar-escutar, observar-imitar, fazer-conscientizar,
sorrir-chorar...
> Sempre quando for possível deixar a conclusão
para o próximo dia. Assim aproveitamos a digestão da noite
> Fazer perguntas para promover uma interatividade
e acessar o próprio conhecimento interior
> ter coragem para deixar espaços abertos, onde
podem surgir coisas inesperadas
> trabalhar em épocas para aproveitar a digestão
maior
Exercícios práticos para grupos de trabalho:
1) Decidir qual será o perfil das
pessoas a quem se dirige o conteúdo.
2) Escolher um tema, um assunto: alguma
época cristã ou um conteúdo cultural como Língua materna, Matemática, Química,
Física, Antropologia, Zoologia, Geografia, Geologia, Biologia, História...
3) O que eu sei sobre este tema, o que
eu encontro na literatura, qual será a sua essência, o princípio maior que se
manifesta?
àestudo, pesquisa, meditação, conversa
4) Como esta essência, este princípio se
manifesta no mundo, onde e de que forma posso encontrar, reconhecer este
princípio no mundo?
à Refletir, observar, brainstorming
à histórias, poemas, música, obra de arte, natureza, construções,
civilizações, culturas, vida diária, social, religiões...
5) O que de tudo isso me toca, o que tem
a ver comigo e o que os meus alunos precisam?
à Decidir quais conteúdos que vão ser usados: especificar o foco
6) Estruturar os conteúdos usando os
elementos do movimento e do ritmo
à quantas aulas, dias, horas
à quais elementos
à ordem e forma
à objetivo
7) Finalizar e apresentar o resultado
para os outros grupos
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