"Não importa o que eu faço ou o que eu sei, mas sim quem eu sou." Rudolf Steiner

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Como aplicar conteúdos culturais e religiosos de forma viva e criativa


Workshop dado por mim no VII Congresso Iberoamericano de Pedagogia Curativa e Terapia Social em Equador, 2012

A questão em qualquer conteúdo que eu quero passar, na verdade é:
Como eu posso alcançar, tocar os meus alunos?
Como posso despertar o interesse deles realmente?
Como a aula, a época pode se tornar algo que alimenta corpo, alma e espírito dos meus alunos?
Para isto não existem receitas, nem manuais. Se eu quero uma receita que me diz exatamente o que deve ser trabalhado e de que forma, a aula fica teórica e morta. Para manter o conteúdo vivo, preciso criar um espaço para vivências, experiências e perguntas. Preciso criar a partir de mim, das minhas experiências, e a partir das necessidades que o grupo apresenta.
Portanto para preparar uma época, uma aula, uma palestra, preciso fazer a mim mesmo quatro perguntas:
1)   Qual é a essência, a idéia, o princípio maior deste conteúdo?
2)  Onde e em que formas este princípio se manifesta no mundo? Onde posso reconhecê-lo?
3)  De tudo isto que consigo encontrar, o que é que tem a ver comigo? O que me toca?
4)  A quem se dirige o conteúdo e quais necessidades apresenta este grupo?
A primeira coisa que preciso compreender é: qual é a essência do conteúdo, qual é o princípio que se manifesta através dele.
Inicia-se então, um trabalho de estudo, reflexão e meditação. O que eu sei sobre o assunto, o que a literatura aborda e o que consigo entender a partir disso? Através deste trabalho eu posso chegar em uma compreensão maior, reconhecer o princípio e encontrá-lo em suas inúmeras expressões. Não preciso mais me restringir aos símbolos antigos, já existentes, posso encontrar novos símbolos, novas imagens, novos gestos, novos jeitos, até posso inventar novas formas. Também não preciso me restringir a alguma filosofia ou ideologia, pois a essência dos conteúdos é maior do que um mero ponto de vista, ela é de natureza espiritual. No momento em que capto a essência, o princípio, eu posso começar criar e ousar.
Para a estruturação da aula eu uso algo que ressoa em mim, que já vive em mim, que me toca, que me entusiasma, algo que tem a ver comigo, pois só posso dar aos outros o que eu já tenho. Mas eu vejo também o que de tudo isso tem a ver com o grupo, o que se apresenta como necessidade, como pergunta do grupo. E dependendo das necessidades do grupo não muda apenas o tema, o conteúdo, mas também a maneira de abordagem; não só o O QUE, mas também o COMO. Normalmente tenho uma convivência com os meus alunos e por isso tenho uma noção do que eles precisam, quais são as questões, qual é o momento deles. Se eu tiver que dar aula para um grupo de desconhecidos, me oriento pelo próprio tema e procuro estar aberto ao que vem ao meu encontro durante a aula, a palestra, o curso. Se for necessário mudo o rumo no mesmo instante.
Eu procuro trazer algo que possa criar uma base para que os alunos encontrem respostas a partir de si. Imagens, que alimentam e enriquecem a alma, que promovem o desenvolvimento, sem querer estreitar ou doutrinar o seu pensar. A aula é boa, quando o aluno sai dela e se sente tocado de alguma forma.
Dizemos então que não existe receita, nem manual, mas podemos chegar numa metodologia a partir da compreensão do funcionamento do ser humano. Para poder alcançar, tocar o outro preciso saber como é que ele assimila, como é que se dá o processo da aprendizagem. Podemos estudar isto no livro “Arte da Educação I” (Allgemeine Menschenkunde, GA 293) de Rudolf Steiner. Compreendemos que existem 3 pontos básicos, que são importantes para uma boa aula:
1) O Encontro humano
2) O Movimento
3) O Ritmo

1) O Encontro humano
Precisamos nos perguntar, o que é que acontece quando duas pessoas se encontram?A resposta é, que uma atua sobre a outra, não teoricamente ou intelectualmente, mas sim de forma imediata com todo o seu ser.
 Atua com aquilo que é e não com aquilo que sabe!
Rudolf Steiner chamou isto de lei pedagógica:
“O membro superior do professor atua sobre o membro inferior mais próximo do aluno”
Para quem ainda não conhece o conceito sobre os membros ou corpos da entidade humana a partir do ponto de vista da Antroposofia, pode estudar sobre isto no livro Teosofia (GA 9) de Rudolf Steiner. Para nos basta saber neste momento, que a entidade humana tem 3 corpos que pertencem ao mundo sensorial: Corpo físico, corpo etérico e corpo astral; 3 almas com o Eu no seu centro e 3 corpos que pertencem ao mundo espiritual: Homem espírito, espírito vital e personalidade espiritual. O Homem Espírito, o Espírito Vital e a Personalidade Espiritual são membros que existem apenas em potencial, quais iremos elaborar e construir conscientemente. A Personalidade Espiritual já começamos a elaborar, mas ainda está muito no começo. Aos poucos podemos construir e acrescentar pequenos tijolinhos. Por isso vamos olhar a lei pedagógica a partir deste primeiro membro espiritual:
Da mesma forma como um atua sobre o outro, atua a personalidade espiritual sobre o nosso próprio Eu, o nosso Eu sobre o nosso próprio corpo astral, o nosso corpo astral sobre nosso próprio corpo etérico, o nosso corpo etérico sobre o nosso próprio corpo físico e conforme as afinidades do nosso corpo físico atraímos o nosso destino.     
Portanto a palavra chave é Auto-educação!
Como podemos ver este primeiro ponto da metodologia não se restringe a aula ou a profissão, ele diz a respeito do próprio professor ou terapeuta como pessoa, como instrumento para o desenvolvimento, como um ser a serviço de algo maior do que ele mesmo.
A questão agora é:
Como podemos trabalhar os nossos membros para nos tornar um bom instrumento?
 Como aplicamos isto na aula e na preparação da aula?

Personalidade Espiritual:
Este membro o ser humano ainda não assimilou, mas podemos ter impulsos através da fala, ligando-nos ao gênio da língua. Precisamos buscar uma fala gramaticamente correta, estruturada e clara, mas principalmente bonita, refinada e palavras bem pronunciadas. Precisamos criar consciência da importância da fala.
“Palavras modificam o mundo!”
Outra coisa que nos liga aos impulsos da personalidade espiritual é o desejo de fazer melhor. O exercício prático para isto é a retrospectiva à noite.
Eu:
O Eu atua quando agimos com consciência, de forma presente, sabendo dos verdadeiros motivos, desenvolvendo discernimento. Viver no aqui e agora. Buscamos desenvolver interesse para os outros e o mundo e entusiasmo para o conteúdo e a verdade. Precisamos amar os conteúdos, amar a verdade! Isto alcançamos através do estudo e da meditação, criando imagens e vivendo nelas.
“O meu entusiasmo emociona os alunos.”
Corpo Astral:
Neste membro preciso desenvolver flexibilidade em todos os âmbitos, positividade e equanimidade. Equanimidade através da controle dos pensamentos, sentimentos e atos. Positividade diante de solicitações anímicas. Flexibilidade na lida com situações ambíguas, na riqueza de gestos e mímicas e na capacidade motora e coordenação dos movimentos. Isto consigo através dos exercícios complementares, dados por Rudolf Steiner, outras práticas meditativas, exercícios físicos e artísticos. Além disso preciso buscar tudo que enriquece e alimenta a minha alma: conteúdos, histórias, imagens, músicas, pensamentos, trabalhos manuais...
Na aula não posso ser parcial com algum assunto, não posso querer doutrinar nem me fechar para alguma coisa. Preciso estar aberto para tudo o que se apresenta, deixar o conteúdo e as imagens atuarem. Preciso saber me isentar com a minha opinião particular e estar a serviço.
“Não importa que eu tenha uma opinião diferente da do outro, e sim que o outro venha a encontrar o certo a partir de si próprio, se eu contribuir um pouco para tal.”
Preciso ter abertura para não querer dar a aula exatamente assim como foi planejada, saber que posso mudar espontaneamente ou incluir algo se for necessário e construtivo. Ter a liberdade de não deixar tomar conta o que for destrutivo, dar limites. Buscar também as expressões adequadas através da mímica, de gestos e vivências.
Desta forma a aula será preenchida de sentido, de sentir (não sentimentalismo), de alma, podendo assim se tornar um alimento que vitaliza e vivifica os nossos alunos.


Corpo Etérico:
Precisamos buscar uma boa saúde através de bons hábitos, hábitos saudáveis e construtivos. Além disso, sempre promover o nosso humor, pois o humor está capaz de dissolver qualquer obstáculo.Buscar fluidez no pensar e no atuar, ter prontidão para conseguir lidar com situações inesperadas.
Para preparação da aula precisamos levar o conteúdo pra vida prática, torná-lo um hábito. Para a execução da aula precisamos buscar elementos que se repetem, ritmizar o conteúdo, transformar os elementos, buscar expressões diferentes do mesmo princípio, vivificar as imagens, fazer exercícios e dar tarefas. Também vou prestar muita atenção a beleza , harmonia e ordem do ambiente e dos materiais usados.
Desta forma a aula se tornará bem viva e nossos alunos terão a possibilidade de se apropriar do conteúdo, de interiorizá-lo. O conteúdo poderá se tornar parte da pessoa, atuar na vitalidade e assim criar, transFormar o corpo. O que vive na nossa vitalidade, no nosso dia a dia, transforma aos poucos o nosso corpo físico e nosso corpo físico se tornará o nosso destino.
“Ritmo cria corpo!”

“Perseverança é aprender,
aprender é praticar,
praticar é repetir,
repetir é ganhar experiência,
experiência é crise,
crise é prova,
prova é fortalecimento,
fortalecimento é liberdade,
liberdade é criar do nada,
criar do nada é transformar,
transformar é caminho e fim ao mesmo tempo.”

Corpo Físico
Para educar este membro preciso evitar ao máximo todo tipo de vício.
Em relação ao meu papel como professor ou terapeuta preciso desenvolver a devoção ao pequeno, buscar uma postura de observação segundo a fenomenologia goetheanística. Para quem gostaria de saber mais sobre esta fenomenologia sugiro o livro “Métodos científicos de Goethe” ( GA 2) de Rudolf Steiner


Destino
A aceitação consciente do próprio destino e o ato de carregá-lo amorosamente, se torna uma fonte curativa na nossa própria vida e na vida dos nossos alunos.

Para completar os pontos da metodologia falta falar sobre o movimento e o ritmo.
Em relação ao movimento precisamos tratar o caminho do amadurecimento do SNS e os sentidos. Os sentidos não vamos abordar aqui, pois são um capítulo  por si só. (Veja GA 293 Allgemeine Menschenkunde)
Como se dá, de forma regular, o amadurecimento do SNS na criança?
Observando o desenvolvimento do Bebê podemos notar que o caminho se dá de cima para baixo: olhar, segurar a cabeça, pegar, virar, sentar engatinhar, até que finalmente a criança se coloca em pé. Ela superou a gravidade e alcança com isto a primeira liberdade humana: ANDAR. A partir daí o caminho se dá de baixo para cima e passa por mais três barreiras. A primeira é a diafragma, onde todo movimento é ritmizada. Neste âmbito o ser humano alcança a liberdade de trabalhar, que é uma capacidade especificamente humana. A segunda barreira é a laringe, que estrutura os movimentos e nos possibilita a falar. A última barreira é o cérebro que reprime todo o movimento de um jeito que ele possa passar o limiar para o âmbito espiritual. O movimento se interioriza, é “virado de avesso” para assim dizer e se torna pensamento. Portanto podemos dizer que o movimento passa de âmbito pra âmbito, se transformando e finalmente acorda o pensamento, se transforma na capacidade de pensar.

A metodologia que resulta desta compreensão segue o mesmo princípio:
OBSERVAR > IMITAR/ FAZER > INTERIORIZAR/CONSCIENTIZAR
IMPULSIONAR (motricidade global): trabalhar a partir da imitação a postura e movimentos com os membros inferiores como andar, bater o pé, escrever com pé, pular, “falar” com os pés, dançar, trabalhar o sentido do movimento, do equilíbrio, térmico...
RITMIZAR (motricidade fina): trabalhar a partir da imitação movimentos com os membros superiores como todos os trabalhos manuais, bater palma, fazer gestos, trabalhar o sentido do tato ( por exemplo escrever as letras com o dedo nas costas do aluno, na sola dos pés, na palma das mãos...), térmico, do movimento...
ESTRUTURAR (motricidade refinada): desenvolver uma mímica rica, repetir, falar, cantar, observar imagens/objetos, ouvir, trabalhar o sentido do paladar, olfato, audição, visão, térmico, da palavra, do pensamento...
INTERIORIZAR (motricidade elevada): lembrar, formular perguntas, refletir, concluir, se posicionar, trabalhar os sentidos superiores...


Quando falamos de RITMO, falamos de processos no tempo!
Observando o mundo e o ser humano podemos encontrar os ritmos de dia e noite, das estações, dos marés, da semana,do mês, do ano, do acordar e dormir, da respiração, da digestão... Em todos estes ritmos podemos observar uma grande respiração, uma pulsação entre expansão e contração. O mais nítido são os ritmos de acordar e dormir, de inspirar e expirar. Podemos perceber uma diferenciação de consciência. Quando estamos acordados, estamos totalmente conscientes e quando dormimos estamos totalmente inconscientes. Entre estes dois estados existe uma passagem semiconsciente, que são os sonhos. O nosso espírito e nossa alma saem do corpo ao adormecer, se expandem. Nosso Eu ainda não tem força suficiente de acompanhar esta expansão de forma consciente e perdemos, portanto a consciência. Para estar consciente precisamos do nosso corpo, que nos ajuda a nos concentrar, acordamos. Acontece uma troca entre o mundo da noite, o mundo espiritual e o mundo do dia,  o mundo sensorial. Na respiração acontece algo semelhante, hora estamos mais concentrados dentro do nosso corpo, hora mais expandidos no mundo em volta. Temos aqui a troca com o social.
Temos então estados de:
Consciência                -  Semiconsciência  - Inconsciência
Vigília/concentração   - Sonho/passagem – Sono/expansão

E, mesmo no homem acordado, podemos observar estes três estados de consciência. Encontram-se presentes ao mesmo tempo no próprio corpo:
·        Na cabeça, onde se encontra o centro do Sistema Neuro Sensorial, estamos acordados, pensamos e observamos. É o sistema que carrega os sentidos, é a porta de entrada. Todos os conteúdos, ensinamentos e acontecimentos do mundo exterior entram por esta via.
·        Na região do tórax, onde se localiza a principal parte do nosso Sistema Rítmico, estamos semiconscientes. As nossas emoções o nosso sentir não está muito claro para nos, é como se estivéssemos sonhando. Precisamos preencher os conteúdos de emoção, de sentimento. Precisamos sentir o que foi captado via sistema nervoso. Precisamos emocionar, entusiasmar os nossos alunos, impregnar a respiração, tocar o coração. E desta forma os conteúdos podem ser levados para todo o corpo através da circulação, podem ser impressos no sistema metabólico motor.
·        Em nossos membros e na região do ventre, que carregam o nosso Sistema Metabólico Motor, estamos inconscientes, adormecidos. Nesta região esquecemos todos os conteúdos, aqui eles são digeridos, destruídos, desconstruídos para poderem ser incorporados. Se tornam parte de nos e retornam como capacidades práticas e sabedoria.
                                      
Em que resulta esta compreensão para nossa metodologia?
> A aula sempre precisa ter começo, meio e fim para garantir a continuidade:                       
Lembrar ou introduzir um assunto, acrescentar novidades e/ou praticar, conscientizar o que foi feito: retrospectiva e deixar adormecer, esquecer.
> Sempre precisa ter uma respiração, uma pulsação, precisamos trabalhar dinamicamente para poder atingir o sistema rítmico:
Fazer-observar, concentrar-expandir, atividade-pausa, silêncio-conversa, falar-escutar, observar-imitar, fazer-conscientizar, sorrir-chorar...
> Sempre quando for possível deixar a conclusão para o próximo dia. Assim aproveitamos a digestão da noite
> Fazer perguntas para promover uma interatividade e acessar o próprio conhecimento interior
> ter coragem para deixar espaços abertos, onde podem surgir coisas inesperadas
> trabalhar em épocas para aproveitar a digestão maior

Exercícios práticos para grupos de trabalho:
1) Decidir qual será o perfil das pessoas a quem se dirige o conteúdo.
2) Escolher um tema, um assunto: alguma época cristã ou um conteúdo cultural como Língua materna, Matemática, Química, Física, Antropologia, Zoologia, Geografia, Geologia, Biologia, História...
3) O que eu sei sobre este tema, o que eu encontro na literatura, qual será a sua essência, o princípio maior que se manifesta?                
àestudo, pesquisa, meditação, conversa
4) Como esta essência, este princípio se manifesta no mundo, onde e de que forma posso encontrar, reconhecer este princípio no mundo?
à Refletir, observar, brainstorming
à histórias, poemas, música, obra de arte, natureza, construções, civilizações, culturas, vida diária, social, religiões...
5) O que de tudo isso me toca, o que tem a ver comigo e o que os meus alunos precisam?
à Decidir quais conteúdos que vão ser usados: especificar o foco
6) Estruturar os conteúdos usando os elementos do movimento e do ritmo
à quantas aulas, dias, horas
à quais elementos
à ordem e forma
à objetivo
7) Finalizar e apresentar o resultado para os outros grupos

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